sábado, 2 de abril de 2011

Diante do quadro


    Tenho uma reprodução deste quadro na parede do meu quarto. Família de Camponês (1643), de Louis de Nain. Todos os dias medito apreciando cada rosto nele, cada olhar, cada traço, cada cor, cada forma. É quase como se a meditação em torno dessa obra fosse minha oração diária. Esse quadro me faz pensar sobre a humanidade e o mundo; me faz sentir o muito e o pouco, abarco as grandezas e as insignificâncias, penso na vida e no futuro dela, no que cada homem faz no mundo, na nossa sociedade, no porquê de existirmos.
    Extraio dele mais religiosidade do que da própria cruz de Cristo. A cruz é só um símbolo, indiscutivelmente ainda o mais forte de todos os símbolos. Mas esse quadro supera a cruz ao nos fazer viajar pelo mundo do simples, sem exaltações de espírito, sem batalhas religiosas, sem morte para que haja ressurreição, apenas simplicidade, paz.
    Em cada rosto dessa família retratada podemos ver os rostos que há dentro de nós mesmos: o rosto da inocência, da experiência que o tempo concede, do medo, da determinação, da tristeza, da alegria, da melancolia, dos sonhos, da esperança.
    É um espelho da nossa consciência. Diante dele, como um raio-X que passa através da pele, tudo o que a ambição nos fez alcançar é apagado, ficando apenas aquilo que nós não demos a nós mesmos, pois sempre esteve dentro de nós. Vemos o núcleo secretíssimo do nosso ser, o mais puro de nós próprios. Por isso, estar diante desse quadro requer coragem, e penso que não é todo mundo que vai querer contemplá-lo mais de uma vez. Ou talvez você se vicie nele e nunca mais consiga viver sem olhá-lo todos os dias, como aconteceu comigo.