Por que diabos fui acompanhar uma banda de forró se
apresentando sobre um trio elétrico? Não é precioso eu pensar muito, pois sei a
resposta; essa pergunta idiota que fiz é apenas retórica para iniciar o
parágrafo. O fato é que acompanhei uma banda de forró (você não leu errado!),
tocando algo que eu chamaria de forró-axé-eletrônico, em comemoração à vitória
de um candidato a prefeito em Santa Cruz do Capibaribe. Vê-se que, neste
feriadão (invenção genuinamente brasileira), eu não tinha ABSOLUTAMENTE NADA
pra fazer: os livros que havia para ler, já os li; o que havia para estudar,
estudei; jogos de videogame, já zerei todos os que tenho; programas na TV,
nenhum me agrada. Restou-me ir à casa da minha irmã, em Santa Cruz, para fugir
do tédio da internet, e fazer algo mais,
como acompanhar aquele trio elétrico barulhento – melhor do que dormir cedo –, algo
que me distraísse, para que esse maldito feriadão passasse mais rápido.
Antes de mais nada, quero dizer que nem naquela cidade moro,
portanto, diante de quem foi eleito ou não, sou mais neutro que a Suíça na
Segunda Guerra.
Por volta das 22h, desci com minha irmã, Mariana, ao lado da
turba concentrada ao pé daquela gigante máquina de escarrar barulho, sobre a
qual havia algumas luzes baratas, um monte de gente usando camisas azuis e um
grupo de cantores, que deveria ser a banda principal. Pouco depois de chegarmos,
o tal candidato eleito, idealizador da festa, começou a falar, no mesmo
microfone dos cantores. Falava como se fosse para um exército bárbaro,
incitando-o à batalha contra uma legião de soldados romanos. Improvisadamente,
inventei um joguinho para brincar com Mariana: contávamos os erros de português
dele, e no final dizíamos o resultado, a fim de vermos se o número de erros
percebidos por ela era igual ao percebido por mim.
Não vou dizer que a multidão ao nosso redor era um amontoado
de pessoas vulgares porque senão estaria sendo preconceituoso. Lá mesmo, em
meio ao barulho, me senti inspirado para escrever uma crônica sobre tudo
aquilo, então tentei substituir, mentalmente, a palavra vulgar por alguma outra menos estereotipa. Foi quando olhei em
volta com mais atenção e imediatamente me veio à cabeça a palavra barangas. O motivo dispensa explicações,
pois estávamos rodeados delas. Todavia, aqui e acolá, passavam algumas meninas
bonitas, mas eu tinha pena delas pelo modo como estavam vestidas. Não sou
contra as mulheres que andam com pouca roupa: podem andar nuas à vontade;
naturalmente, nós, homens, gostamos. Só que o sentimento de pena, ou compaixão,
é o que se desperta dentro de mim ao ver uma mulher assim.
Quando a máquina de escarrar barulho começou a andar, pensei
seriamente em subornar com 1 real o motorista, pra ver se ele nos deixaria
subir nela. Mais de 1 real eu não pagaria de jeito nenhum pra subir naquilo.
Indo lá em cima, talvez o tempo passasse mais rápido, pois nos distrairíamos
mais. O que pensei, ao ver todo mundo começar a seguir o trio, poderia ser
traduzido nessas palavras: “Feriado maldito! Agora tenho que acompanhar essa
merda andando feito uma tartaruga!”
A turba seguiu ao longo da Avenida Prefeito Brás de Lira –
poucos santacruzenses conhecem o nome dessa avenida, bem como o nome das demais
ruas da própria cidade, em geral apelidadas, como é o caso da Rua dos Doidos.
Mariana e eu traçamos um olhar geral sobre o evento: na
parte de trás, formou-se uma ala de velhos e velhas empurrando carrinhos de
bebidas alcoólicas, seguidos de outras velhas catando as latas de cerveja que
eram deixadas no chão – dir-se-ia que essas latas são a matéria fecal de
qualquer evento envolvendo bandas de forró. Logo atrás das catadoras, uma
“carreata” formou-se, repleta de veículos buzinando sem parar. Achei estranho a
formação duma carreata atrás duma multidão acompanhando um trio, mas é preciso
que compreender que essa gente acostumada a seguir fanaticamente as campanhas
do seu candidato, especialmente o povo santacruzense, tem esse hábito de formar
carreatas por instinto: um bando de motos na frente seguidas duma fila de
carros. Organizam-se, nesse aspecto, como animais: por exemplo, como formigas
formando um formigueiro. À frente do trio, só havia pessoas, umas dançando,
outras não, e não há muito o que se dizer.
Do mesmo modo, não há muito o que se dizer sobre a
apresentação da banda. Todo cantor dessas bandas de forró tem a voz igual: é o
mesmo rãi-rãi-rãi, muito semelhante ao latido de um cão vira-lata, desses rabugentos
que vivem nas ruas. Além disso, é difícil distinguir as músicas que cantam. Eu
mesmo não consigo distingui-las: é como se estivessem cantando a mesma coisa do
começo do show ao final.
Ao longo da avenida, muitas pessoas aguardavam a passagem do
trio, com as malas dos seus carros abertas, explodindo desordenadamente as
horríveis músicas do adversário vencido (um modo de zombar da cara dos
eleitores que votaram no outro), que não são melhores que as músicas do
vitorioso. Era inacreditável como os carros estavam estacionados de qualquer
modo, tão desordenados quanto o barulho das músicas se encontrando. Cheguei a
ver mais de um motorista dirigindo e bebendo cerveja na garrafa ao mesmo tempo.
Quando o trio passava, nenhum dos carros baixava o volume –
acho mesmo que aumentavam –, isso fazia com que o som da banda se misturasse ao
som das malas abertas, num caos sonoro escatológico. Dava medo ver e ouvir
aquilo! Sinceramente, não compreendo esse conceito de diversão.
Pouco mais da meia-noite, Mariana e eu nos sentamos num
banco da Avenida 29 de dezembro. Independente do barulho, sentimos tremendo
sono, e resolvemos voltar pra casa. Depois soubemos que mataram um nessa festa,
mas isso é coisa pra ser noticiada pela imprensa.