segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A máquina de escarrar barulho


Por que diabos fui acompanhar uma banda de forró se apresentando sobre um trio elétrico? Não é precioso eu pensar muito, pois sei a resposta; essa pergunta idiota que fiz é apenas retórica para iniciar o parágrafo. O fato é que acompanhei uma banda de forró (você não leu errado!), tocando algo que eu chamaria de forró-axé-eletrônico, em comemoração à vitória de um candidato a prefeito em Santa Cruz do Capibaribe. Vê-se que, neste feriadão (invenção genuinamente brasileira), eu não tinha ABSOLUTAMENTE NADA pra fazer: os livros que havia para ler, já os li; o que havia para estudar, estudei; jogos de videogame, já zerei todos os que tenho; programas na TV, nenhum me agrada. Restou-me ir à casa da minha irmã, em Santa Cruz, para fugir do tédio da internet, e fazer algo mais, como acompanhar aquele trio elétrico barulhento – melhor do que dormir cedo –, algo que me distraísse, para que esse maldito feriadão passasse mais rápido.

Antes de mais nada, quero dizer que nem naquela cidade moro, portanto, diante de quem foi eleito ou não, sou mais neutro que a Suíça na Segunda Guerra.

Por volta das 22h, desci com minha irmã, Mariana, ao lado da turba concentrada ao pé daquela gigante máquina de escarrar barulho, sobre a qual havia algumas luzes baratas, um monte de gente usando camisas azuis e um grupo de cantores, que deveria ser a banda principal. Pouco depois de chegarmos, o tal candidato eleito, idealizador da festa, começou a falar, no mesmo microfone dos cantores. Falava como se fosse para um exército bárbaro, incitando-o à batalha contra uma legião de soldados romanos. Improvisadamente, inventei um joguinho para brincar com Mariana: contávamos os erros de português dele, e no final dizíamos o resultado, a fim de vermos se o número de erros percebidos por ela era igual ao percebido por mim.

Não vou dizer que a multidão ao nosso redor era um amontoado de pessoas vulgares porque senão estaria sendo preconceituoso. Lá mesmo, em meio ao barulho, me senti inspirado para escrever uma crônica sobre tudo aquilo, então tentei substituir, mentalmente, a palavra vulgar por alguma outra menos estereotipa. Foi quando olhei em volta com mais atenção e imediatamente me veio à cabeça a palavra barangas. O motivo dispensa explicações, pois estávamos rodeados delas. Todavia, aqui e acolá, passavam algumas meninas bonitas, mas eu tinha pena delas pelo modo como estavam vestidas. Não sou contra as mulheres que andam com pouca roupa: podem andar nuas à vontade; naturalmente, nós, homens, gostamos. Só que o sentimento de pena, ou compaixão, é o que se desperta dentro de mim ao ver uma mulher assim.

Quando a máquina de escarrar barulho começou a andar, pensei seriamente em subornar com 1 real o motorista, pra ver se ele nos deixaria subir nela. Mais de 1 real eu não pagaria de jeito nenhum pra subir naquilo. Indo lá em cima, talvez o tempo passasse mais rápido, pois nos distrairíamos mais. O que pensei, ao ver todo mundo começar a seguir o trio, poderia ser traduzido nessas palavras: “Feriado maldito! Agora tenho que acompanhar essa merda andando feito uma tartaruga!”

A turba seguiu ao longo da Avenida Prefeito Brás de Lira – poucos santacruzenses conhecem o nome dessa avenida, bem como o nome das demais ruas da própria cidade, em geral apelidadas, como é o caso da Rua dos Doidos.

Mariana e eu traçamos um olhar geral sobre o evento: na parte de trás, formou-se uma ala de velhos e velhas empurrando carrinhos de bebidas alcoólicas, seguidos de outras velhas catando as latas de cerveja que eram deixadas no chão – dir-se-ia que essas latas são a matéria fecal de qualquer evento envolvendo bandas de forró. Logo atrás das catadoras, uma “carreata” formou-se, repleta de veículos buzinando sem parar. Achei estranho a formação duma carreata atrás duma multidão acompanhando um trio, mas é preciso que compreender que essa gente acostumada a seguir fanaticamente as campanhas do seu candidato, especialmente o povo santacruzense, tem esse hábito de formar carreatas por instinto: um bando de motos na frente seguidas duma fila de carros. Organizam-se, nesse aspecto, como animais: por exemplo, como formigas formando um formigueiro. À frente do trio, só havia pessoas, umas dançando, outras não, e não há muito o que se dizer.

Do mesmo modo, não há muito o que se dizer sobre a apresentação da banda. Todo cantor dessas bandas de forró tem a voz igual: é o mesmo rãi-rãi-rãi, muito semelhante ao latido de um cão vira-lata, desses rabugentos que vivem nas ruas. Além disso, é difícil distinguir as músicas que cantam. Eu mesmo não consigo distingui-las: é como se estivessem cantando a mesma coisa do começo do show ao final.

Ao longo da avenida, muitas pessoas aguardavam a passagem do trio, com as malas dos seus carros abertas, explodindo desordenadamente as horríveis músicas do adversário vencido (um modo de zombar da cara dos eleitores que votaram no outro), que não são melhores que as músicas do vitorioso. Era inacreditável como os carros estavam estacionados de qualquer modo, tão desordenados quanto o barulho das músicas se encontrando. Cheguei a ver mais de um motorista dirigindo e bebendo cerveja na garrafa ao mesmo tempo.

Quando o trio passava, nenhum dos carros baixava o volume – acho mesmo que aumentavam –, isso fazia com que o som da banda se misturasse ao som das malas abertas, num caos sonoro escatológico. Dava medo ver e ouvir aquilo! Sinceramente, não compreendo esse conceito de diversão.

Pouco mais da meia-noite, Mariana e eu nos sentamos num banco da Avenida 29 de dezembro. Independente do barulho, sentimos tremendo sono, e resolvemos voltar pra casa. Depois soubemos que mataram um nessa festa, mas isso é coisa pra ser noticiada pela imprensa.

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