sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Vendo a cidade se apagar


Durante o apagão deste mês, que se iniciou ontem exatamente às 23h13, estava eu em casa, escrevendo um e-mail. De repente, tudo fica escuro. Neste Ano da Graça de 2012, sempre que falta energia elétrica, eu penso: “Pronto. É o fim do mundo. Um asteroide deve ter caído neste momento em algum lugar do planeta. Em segundos, o fogo devorador chega aqui destruindo tudo.” Dirigi-me então à janela do corredor, que fica no primeiro andar. Dali se tem uma vista parcial da cidade. Vi que estava iluminada como em todas as noites, as nuvens vermelhas, o que me fez imaginar que a falta de energia havia sido apenas no meu bairro. Mas não saí da janela. Gosto do escuro. Algumas estrelas apareciam entre as nuvens, soprava um vento frio. Instantes depois, vi quando metade do Monte Bom Jesus ficou às escuras. Logo em seguida, o bairro Petrópolis apagou-se de uma só vez, seguido de outras partes da cidade, que foi desaparecendo na escuridão. O último trecho a se apagar foi a parte mais elevada do Monte Bom Jesus, no qual só as duas luzes vermelhas da torre mais alta permaneceram acesas, sinalizando sua presença. Alguns pontos distantes quedavam com luzes mantidas por geradores, como ilhas de luz num mar de trevas. O que mais despertou minha atenção foram as nuvens, livres da reflexão avermelhada da cidade: estavam flutuando no céu iluminadas apenas pelo prata melancólico irradiado pela Lua.

Ainda permaneci na janela por uns 30 minutos. Júpiter e Aldebaran já estavam bem elevados. Outras estrelas apareciam de vez em quando sobre as nuvens, cintilando alegremente. Ver a minha rua e todas as casas ao redor mergulhadas no breu me deu uma sensação de estar navegando em alto mar: ora me sentia à deriva, ora parecia seguir um rumo. Toda aquela melancolia do prata lunar, a solidão das estrelas, que não deixam de brilhar mesmo estando sóis num universo tenebroso e infinito, a brisa gelada da noite, o silêncio absoluto, tudo isso refletia o que sou por dentro, por isso nunca me sinto sozinho se eu estiver abaixo das constelações, ainda que seja perdido em alto mar.

Fui dormir por volta da meia noite, sem ventilador. O efeito estufa pareceu aumentar dentro de casa, o calor estava insuportável, mesmo lá fora estando frio.

Acordei-me de madrugada com o ventilador funcionando.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A máquina de escarrar barulho


Por que diabos fui acompanhar uma banda de forró se apresentando sobre um trio elétrico? Não é precioso eu pensar muito, pois sei a resposta; essa pergunta idiota que fiz é apenas retórica para iniciar o parágrafo. O fato é que acompanhei uma banda de forró (você não leu errado!), tocando algo que eu chamaria de forró-axé-eletrônico, em comemoração à vitória de um candidato a prefeito em Santa Cruz do Capibaribe. Vê-se que, neste feriadão (invenção genuinamente brasileira), eu não tinha ABSOLUTAMENTE NADA pra fazer: os livros que havia para ler, já os li; o que havia para estudar, estudei; jogos de videogame, já zerei todos os que tenho; programas na TV, nenhum me agrada. Restou-me ir à casa da minha irmã, em Santa Cruz, para fugir do tédio da internet, e fazer algo mais, como acompanhar aquele trio elétrico barulhento – melhor do que dormir cedo –, algo que me distraísse, para que esse maldito feriadão passasse mais rápido.

Antes de mais nada, quero dizer que nem naquela cidade moro, portanto, diante de quem foi eleito ou não, sou mais neutro que a Suíça na Segunda Guerra.

Por volta das 22h, desci com minha irmã, Mariana, ao lado da turba concentrada ao pé daquela gigante máquina de escarrar barulho, sobre a qual havia algumas luzes baratas, um monte de gente usando camisas azuis e um grupo de cantores, que deveria ser a banda principal. Pouco depois de chegarmos, o tal candidato eleito, idealizador da festa, começou a falar, no mesmo microfone dos cantores. Falava como se fosse para um exército bárbaro, incitando-o à batalha contra uma legião de soldados romanos. Improvisadamente, inventei um joguinho para brincar com Mariana: contávamos os erros de português dele, e no final dizíamos o resultado, a fim de vermos se o número de erros percebidos por ela era igual ao percebido por mim.

Não vou dizer que a multidão ao nosso redor era um amontoado de pessoas vulgares porque senão estaria sendo preconceituoso. Lá mesmo, em meio ao barulho, me senti inspirado para escrever uma crônica sobre tudo aquilo, então tentei substituir, mentalmente, a palavra vulgar por alguma outra menos estereotipa. Foi quando olhei em volta com mais atenção e imediatamente me veio à cabeça a palavra barangas. O motivo dispensa explicações, pois estávamos rodeados delas. Todavia, aqui e acolá, passavam algumas meninas bonitas, mas eu tinha pena delas pelo modo como estavam vestidas. Não sou contra as mulheres que andam com pouca roupa: podem andar nuas à vontade; naturalmente, nós, homens, gostamos. Só que o sentimento de pena, ou compaixão, é o que se desperta dentro de mim ao ver uma mulher assim.

Quando a máquina de escarrar barulho começou a andar, pensei seriamente em subornar com 1 real o motorista, pra ver se ele nos deixaria subir nela. Mais de 1 real eu não pagaria de jeito nenhum pra subir naquilo. Indo lá em cima, talvez o tempo passasse mais rápido, pois nos distrairíamos mais. O que pensei, ao ver todo mundo começar a seguir o trio, poderia ser traduzido nessas palavras: “Feriado maldito! Agora tenho que acompanhar essa merda andando feito uma tartaruga!”

A turba seguiu ao longo da Avenida Prefeito Brás de Lira – poucos santacruzenses conhecem o nome dessa avenida, bem como o nome das demais ruas da própria cidade, em geral apelidadas, como é o caso da Rua dos Doidos.

Mariana e eu traçamos um olhar geral sobre o evento: na parte de trás, formou-se uma ala de velhos e velhas empurrando carrinhos de bebidas alcoólicas, seguidos de outras velhas catando as latas de cerveja que eram deixadas no chão – dir-se-ia que essas latas são a matéria fecal de qualquer evento envolvendo bandas de forró. Logo atrás das catadoras, uma “carreata” formou-se, repleta de veículos buzinando sem parar. Achei estranho a formação duma carreata atrás duma multidão acompanhando um trio, mas é preciso que compreender que essa gente acostumada a seguir fanaticamente as campanhas do seu candidato, especialmente o povo santacruzense, tem esse hábito de formar carreatas por instinto: um bando de motos na frente seguidas duma fila de carros. Organizam-se, nesse aspecto, como animais: por exemplo, como formigas formando um formigueiro. À frente do trio, só havia pessoas, umas dançando, outras não, e não há muito o que se dizer.

Do mesmo modo, não há muito o que se dizer sobre a apresentação da banda. Todo cantor dessas bandas de forró tem a voz igual: é o mesmo rãi-rãi-rãi, muito semelhante ao latido de um cão vira-lata, desses rabugentos que vivem nas ruas. Além disso, é difícil distinguir as músicas que cantam. Eu mesmo não consigo distingui-las: é como se estivessem cantando a mesma coisa do começo do show ao final.

Ao longo da avenida, muitas pessoas aguardavam a passagem do trio, com as malas dos seus carros abertas, explodindo desordenadamente as horríveis músicas do adversário vencido (um modo de zombar da cara dos eleitores que votaram no outro), que não são melhores que as músicas do vitorioso. Era inacreditável como os carros estavam estacionados de qualquer modo, tão desordenados quanto o barulho das músicas se encontrando. Cheguei a ver mais de um motorista dirigindo e bebendo cerveja na garrafa ao mesmo tempo.

Quando o trio passava, nenhum dos carros baixava o volume – acho mesmo que aumentavam –, isso fazia com que o som da banda se misturasse ao som das malas abertas, num caos sonoro escatológico. Dava medo ver e ouvir aquilo! Sinceramente, não compreendo esse conceito de diversão.

Pouco mais da meia-noite, Mariana e eu nos sentamos num banco da Avenida 29 de dezembro. Independente do barulho, sentimos tremendo sono, e resolvemos voltar pra casa. Depois soubemos que mataram um nessa festa, mas isso é coisa pra ser noticiada pela imprensa.