segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Credo in Deum


    O homem é, por natureza, um ser religioso. A inteligência o faz religiosamente proceder. É devido à enorme capacidade mental que o homem imagina o oculto, se é que seja possível imaginá-lo. Melhor dizendo, não temos controle total do nosso próprio cérebro; ele, com base na cultura aprendida, precisa preencher certos espaços, nos fazendo adotar práticas tipicamente religiosas. Em linhas gerais, é este o motivo que nos leva a querer acreditar num dado deus.
    Como o conceito de deus, Deus ou deuses é algo inserido na esfera social, são as religiões que, na maioria dos casos, entretêm as inteligências com a busca que estas vivem fazendo do oculto e inexplicável. Para quem se satisfaz com respostas estáticas, opiniões formadas, ideias redondas, comodismo mental, nada melhor que acolher o deus oferecido por determinada religião. O cérebro tem o que quer e a pessoa vive feliz em seu leito.
    Sendo Deus um fenômeno social, mais do que satisfazer suas necessidades psicológicas, cada pessoa que diz crê em Deus o faz por motivos que lhes são próprios.
    Há os que se agarram na crença do divino porque a receberam desde o berço. Muitos creem em Deus simplesmente porque cresceram pensando que ele existe, e acham melhor (e menos trabalhoso para suas intelectualidades) crer que não crer. A necessidade cerebral do oculto está saciada, para que mexer nela?
    Sendo a crença nada mais que crença, basta o menor abrir de olhos para o crente dar um chute na bunda de Deus (antropomorfismo meu!), pois Sua existência é puro folclore: o dia chega em que toda criança deixa de acreditar em Papai Noel. Os próprios religiosos comparam a fé à chama duma vela, e fazem bem. Existe coisa mais frágil que uma vela a queimar? Acreditar em ET’s que vivem numa sociedade tecnologicamente superior à nossa é muito mais persuasivo tendo por base as probabilidades matemáticas. Todo astrônomo acredita em aliens (se algum deles lhe disser que não, será porque não quer ser mal compreendido), pois conhece a imensidão do universo e sabe que é mais provável haver outros mundos como o nosso do que não.
    Há também os que dizem crê impelidos por interesses artísticos: frequentam uma igreja não por causa do deus, e sim por causa da música ou da dança. Lá, podem cantar, tocar e ter sua arte apreciada por outros.
Em verdade, ninguém segue uma religião desinteressadamente; a necessidade do oculto não depende de religiões estruturadas para ser saciada. Quando alguém entra numa das incontáveis igrejas deste mundo, está buscando qualquer coisa que só pode encontrar num meio social adequado, e as igrejas em geral são um prato cheio. Muito embora exista muitos que na igreja não fazem nada além de saciar sua sede de ocultismo, o que não deixa de ser interesse secundário: Me dê um deus aí, por favor, eu preciso agora!
    Outros afirmam crê movidos por interesses afetivos: buscam na comunidade religiosa paqueras, namoros, festas, diversão, ouso dizer comida, etc.
    Há os que dizem crê por interesses políticos: usam o usado nome de Deus para justificar atos próprios ou, às vezes, para aumentar a popularidade enquanto afirmam defender o nome da divindade imaginada pelo povo.
    Outros são ateus em segredo, como muitos religiosos, que, após tanto estudar, finalmente abriram os olhos, mas preferem fingir crê para evitar o escândalo do “clérigo ateu” ou coisa parecida. Ademais, estar à frente duma multidão faz qualquer um parecer e/ou sentir-se importante; traz algum status, as pessoas lhe veneram, chegam até a lhe ver como um enviado dos céus, você perde um pouco de humanidade e adquire alguma divindade. Caso você se candidate a prefeito ou vereador, é vitória certa!
    Outros têm tanto medo de ir para o inferno que dariam o carro novo por uma indulgência plenária. Seguem a religião mais por medo do Satanás do que por amor ao onipotente imaginado.
    É difícil existir uma religião que não realize algum tipo de lavagem cerebral. Esta se manifesta nas repetições de orações, de gestos, frases, nas pregações virtuosas dizendo sempre a mesma coisa por outras palavras, nos próprios ritos litúrgicos. Talvez seja isto o que faz um pastor estudioso continuar acreditando no deus da sua igreja: as constantes auto-lavagens que faz no próprio cérebro. A repetição faz você se convencer do que diz; mesmo que as palavras tratem de coisas que não existem, você acreditará que de fato existem. Quanto aos não-estudiosos, já se convenceram tanto que outra coisa não fazem sem pôr o divino no meio: gostam de pagar tudo o que é tipo de promessa, tais como caminhar descalço ou com pedras na cabeça; são capazes de brigar ou se intrigar por conta do deus querido; não vivem sem água benta; caem em êxtase durante encontros de orações; veem as escrituras sagradas e a doutrina da igreja como verdades inquestionáveis, etc.
    Há ainda os que buscam numa igreja interesses intelectuais. Exploram a filosofia milenar implícita na doutrina, contentes por estar aprendendo coisas que hoje não se ensinam mais em lugar algum e que há séculos atrás as pessoas já nasciam sabendo. Chegam até a rezar, pois leram que rezar devem. Esforçam-se por ter fé, suam por alimentá-la, mas depois caem na real e se dão conta de que passaram todo esse tempo andando em círculos. Veem que o trabalho mais perdido que um humano pode fazer debaixo do sol é perscrutar os ensinamentos de qualquer religião, a menos que você seja versado em estética medieval, especialista em música sacra, estudioso de arquitetura gótica, teólogo, arqueólogo, exegeta bíblico, em suma, aplicado a algum trabalho acadêmico, pois, desse modo, você se diverte e ganha dinheiro. Não busque respostas para suas aspirações filosóficas em doutrinas religiosas: chegará o momento em que você se arrependerá de ter passado tanto tempo estudando para nada, pois a lugar algum você chegou. A doutrina é ampla, porém cercada por altas muralhas. Percorridos todos os espaços, não há mais para onde ir, e você fica rodando feito uma barata envenenada.
    Mas uma coisa é certa: não há quem não duvide da existência de Deus – até mesmo Sua Santidade duvida, ou já chegou a duvidar. Essa dúvida é um pedido de socorro da razão, de vez em quando vindo implorar ao dono do cérebro que se levante do seu leito e vá abrir a janela do quarto para a luz entrar.
    Não tenha medo de ser ateu. O mundo moderno está cada vez mais desconectado das religiões. As crianças crescem conhecendo as respostas, a religião passa a ser, para elas, algo como um clube do qual tanto faz ser membro ou não. Sabem que neste mundo há coisas mais vivas para se aplicar a vida.
    Graças a Deus, o ateísmo está deixando de sofrer preconceitos. Simplesmente as pessoas não querem tocar no assunto Deus e, quando tocam, rapidamente dizem: “Sou ateu.” O interlocutor sorrir e o divino permanece em posição última, até sumir completamente das nossas vidas.
    Deus pode facilmente ser substituído por qualquer coisa; substituição é necessária para que a necessidade cerebral do ocultismo permaneça saciada. Se é a grande capacidade racional humana que nos leva a indagações sem respostas e, por isso, inventamos um ser divino que tudo responda, essa mesma capacidade racional, desde que devidamente educada, pode fabricar as mais variadas formas de idolatria e até suas próprias ilusões, pois o homem não vive sem ilusões. Não imagine um deus, existem meios mais eficazes e menos danosos de saciar sua mente. Fragmente a idolatria, adore a tudo e a nada você adorará; dessa forma, a idolatria, que está no seu cérebro como as sensações (medo, ânsia, alegria, etc.), ficará praticamente apagada, embora aja sem parar.
    Será que as outras formas de vida inteligente espalhadas pelo universo também cultivam algum tipo de religiosidade por serem capazes de pensar?

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