segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre o voto


    Os brasileiros exageram quando o assunto é eleição. A mídia e as pessoas transformam um simples exercício de democracia em algo sobre-humano, mágico, poético, como se o que fôssemos escolher fossem novos deuses para povoar o Olimpo. Os que levam o assunto numa perspectiva mais matemática não enxergam outra coisa senão os números das pesquisas, com gráficos subindo e descendo, feito os botões duma mesa de mixagem de som.
    Nessa mesma linha de exagero estão frases como: “Votando, você muda o mundo”; “Cumpra o seu ideal de humanidade: vote”; “No voto você diz quem é.” É a velha história de canonizar uma ação e deixar de lado o processo construtor, desenrolado na história de modo complexo. É o agir dos pernilongos: se jogar contra a luz e se esquecer do meio iluminado.
    Eis onde brilha as luzes do discernimento do povo deste país: na adrenalina dum momento passageiro. Esta valorização do espetáculo trouxe a vergonhosa obrigatoriedade do voto. Grande desrespeito contra o povo é o voto obrigatório. Por que obrigá-lo? O que o país perderia se uma pequena parcela das pessoas pudesse ter o direito de não querer votar?
    Uma das frases mais ouvidas ou lidas nos órgãos públicos é “agora é lei”. Tal coisa agora é lei. Levar dois documentos no dia da votação agora é lei. Lei um carlh!... Isso não passa de um chute na cara do cidadão e, principalmente, de uma manifestação do atraso cultural de um país. Lei. O que não falta aqui são leis. São tantas que elas mesmas se entrelaçam na burocracia que delas nasce.
    Quando obrigam você a votar, estão atando uma corda ao seu pescoço e puxando-o para percorrer um caminho que você, desde que tenha juízo, sabe muito bem percorrer só. Dizendo isto, até pareço inimigo da cidadania! Sou uma espécie de ateu desta divindade chamada voto, cujo culto é imposto pelo “clero” nesta Idade Média que o país escolheu para vivenciar.
    É claro que a corrupção entre os políticos é grande, bem maior do que aparenta ser: a imprensa mostra uma parte, a outra permanece escondida e o resto o povo finge que não vê. Esse povo precisa mesmo dumas boas chicotadas de leis para aprender a se comportar. Mas nem só de chicotadas o animal é domesticado. Talvez a obrigatoriedade do voto, bem como todo esse exagero em torno do ato de votar, venham da mentalidade do pós-ditadura, estendida até os dias de hoje. Quando finalmente a gente reconquistou o direito do voto popular, endeusamos a ação da escolha dos candidatos. Além disso, votando, nos sentimos poderosos... É sadio imaginar coisas.

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