segunda-feira, 26 de julho de 2010

De cima para baixo

Ontem acompanhei a passagem da ISS de cima para baixo, já que não foi possível acompanhar de baixo para cima por conta da nebulosidade. Com isso quero dizer que, na hora da passagem, acessei, pelo site da Nasa, a câmera situada na parte externa da Estação e vi ao vivo o que os astronautas viram quando por aqui por cima passaram: um mar de nuvens, pouco antes de mergulharem no lado escuro do planeta. Lá embaixo (ou cá embaixo), escondidos no véu, estavam Palmares e eu, insignificantes micróbios na imensidão que é a Terra.

domingo, 25 de julho de 2010

A deusa do rock



    Estou pensando em estudar a arte da escultura só para esculpir com minhas próprias mãos uma estátua da Amy Lee em tamanho natural no melhor bloco de mármore do mundo. Depois, colocaria a obra no local mais digno da minha casa, de preferência num altar feito especialmente para abrigá-la, e todos os dias me ajoelharia diante dela, pois não é o suficiente adorar aquela deusa apenas vendo suas fotografias e vídeos ou ouvindo sua voz a cantar.
    Escrevo agora, mas nem para o papel olho, quero sentir no mais profundo do meu ser o brilho dos olhos dela reproduzidos numa imagem diante de mim e deixar minha mão deslizar na folha enquanto estou possuído por ela, enquanto minha alma inteira foi sugada por esses olhos que assustam muita gente, mas a mim fazem o que fazem e só eles conseguem fazer.
    Sei que a Amy Lee, como deusa mortal e não onipresente, não sabe que existo e, se soubesse, não se importaria nem um pouco comigo. Mas isso não diminui a adoração que a ela dirijo. Os deuses não precisam dos fiéis. Ela é a deusa, eu o adorador; cada qual deve permanecer na sua posição, e viva os meus exageros! Que seja eterna enquanto dure a minha idolatria a essa mulher que quero tê-la como sobre-humana.
    Eis um dos meus clips favoritos de Evanescence.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A nova versão do monstro do lago Ness


21 de julho de 2010

    Ontem o rio Una trouxe mais um motivo para despertar admiração nos palmarenses: uma serpente gigante. Não significa que se tratasse dum animal fabuloso, era gigante dentro dos padrões naturais da sua espécie, mas como não entendo de cobras, não sei dizer a que espécie aquela pertencia. Nem cheguei a vê-la, quem contou-me a história da aparição foi minha mãe e Mariana, que presenciaram o ocorrido.
    As duas tinham acabado de chegar de Caruaru. A tarde estava se findando. Antes de descer do ônibus, notaram grande quantidade de gente reunida embaixo do viaduto Prof.ª Lúcia Paiva, todos apreciando algo no rio. Isso as fez de imediato pensar: “Só pode ser mais uma enchente!” Ao descer do ônibus, logo correram em direção à multidão, a curiosidade humana as impelia. Chegando lá, viram que as pessoas estavam olhando, boquiabertas, uma tremenda cobra que no meio das águas parecia boiar. Segundo Mariana, o réptil movia-se devagar, serpenteando, como lhe é natural, mas sem sair do lugar. Parecia estar gostando do sucesso que fazia diante da plateia. Às vezes, erguia sua cabeça de monstro e abria a boca, assustando a todos, arrancando interjeições do público. Naquele trecho às margens do rio, se formara verdadeira farra. Adultos, crianças, velhos, bêbados, doidos, raparigas (na acepção brasileira da palavra), gente de zona, maloqueiros, aleijados, pessoas bem vestidas, mal vestidas, tudo isso se encontrava lá. Os motoqueiros paravam para ver, os carros que passavam também paravam, muita gente subia na ponte para ver melhor. Dessa vez não foi um teatro que as circunstâncias montaram, como aconteceu no Campo da Rede. Dessa vez tínhamos um zoológico. Para um povo que jamais visitou um de verdade... É o povo do mesmo Brasil que deixou sua principal coleção de cobras virar cinzas num incêndio causado por negligência.
    A noite veio e muitos ainda lá permaneceram na companhia da cobra gigante. No dia seguinte, rola pela cidade boatos de que a serpente não passava de ilusão de ótica. Uns dizem que era um tronco, outros uma fita, outros uma rede, outros uma lona. Se realmente o que viram não era uma cobra, é a segunda vez após a enchente que os palmarenses montam uma situação imaginária tida como real, o que deixaria claro o quanto a população estaria traumatizada com relação à natureza. Primeiro foi o rompimento imaginário da barragem do Prata; agora, uma serpente imaginária. Mas minha irmã viu a cobra com seus próprios olhos, ainda sob a luz do sol, e afirmou ser de fato uma cobra verdadeira, do tipo capaz de engolir uma capivara.

A serpente de Frei Damião

   Não acredito que vou escrever sobre uma merda dessa!
   Reza a lenda de Palmares que, durante uma das raríssimas visitas que o frade capuchinho fez à cidade, disse haver uma serpente enterrada abaixo da Praça Ismael Gouveia e que, um dia, viria uma grande enchente para desenterrá-la. Neste caso, a profecia se realizou com precisão extremamente objetiva.
   Em verdade, já ouvi muitas vezes essa história das palavras do religioso desde que na cidade moro, mas não há unanimidade no ponto onde a serpente estaria enterrada: uns dizem ser no Cocão do Padre; outros, na catedral, e que foi o diabo quem lá a pôs; outros afirmam ser no meio da Avenida Estácio Coimbra; outros, no fundo do rio ou em algum lugar perto da usina. Historicamente, o que o famoso frade provavelmente disse e permaneceu na memória do povo foi alguma metáfora mal compreendida envolvendo serpente e Palmares. Bem sabemos que na Bíblia serpente tem significado específico que vai além de réptil.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Assassinatos que viram sucesso na TV

    A imprensa brasileira, principalmente a televisiva, precisa de um médico para curá-la dessa horrível doença que a faz dar tanta importância a um caso particular de assassinato, como foi o de Isabela Nardoni (dividido em dois grandes capítulos) e, agora, o de Eliza Samudio.
    Talvez uma reunião composta por um sociólogo, um psicólogo, um historiador, um filósofo e um jornalista experiente possa explicar esse fenômeno de transformar uma ocorrência policial isolada, que cabe exclusivamente à justiça resolver, semelhante a tantas outras vistas e esquecidas diariamente no país, em algo de “importância” nacional. Dar-se sempre o mesmo: a presença do suspeito, julgado prematuramente pela imprensa e pelo povo (que se deixa conduzir pela imprensa); a presença do delegado, transformado numa espécie de herói; a vítima, que antes de morrer era pessoa invisível como todo mundo e, de repente, vira celebridade defunta; e, enfim, a presença de terceiras pessoas que vão aparecendo e tornando o caso mais interessante. No fim de tudo está o júri, segundo capítulo da trama, colocado no ar após uma pausa. As pessoas envolvidas no caso passam por verdadeiro Reality show. A cobertura é monótona, cansativa de se acompanhar, cheia de repetições, mas dá tremenda audiência que certamente os estudiosos mencionados acima saberão explicar, por isso não segue com tanta devoção à necessidade do resumo abaixo abordada.
    Não permito que a mídia enfie na minha cabeça tudo o que ela quer. Tenho as áreas do meu interesse, com temas nos quais me aprofundo porque me fornecem consequências úteis depois. Jornais impressos e suas edições on-line são meus principais enviadores de informação. Nos telejornais, tudo se exibe muito rápido, temos dificuldade em acompanhar o que as reportagens dizem, não é raro havê-las com linguagem confusa. Sabemos que na TV o tempo é curto e caríssimo, as coisas precisam ser resumo de resumo, tudo é cronometrado. Isso também vale para reportagens. Mas por eu dizer não ao turbilhão de informações que as mídias jogam em cima de nós, não significa que eu não esteja informado sobre assuntos inúteis para mim – como a oscilação do dólar, por exemplo. Todas as pessoas estão, por que eu ficaria de fora? Certas coisas que não me interessam nem um pouco chegam aos meus ouvidos sem que eu queira. Pelo menos interessam a outras pessoas e não sou obrigado a sentar para conhecer essas subnotícias.

terça-feira, 13 de julho de 2010

A primeira estrela na camisa da Fúria


    Desde a despedida do Brasil nas quartas de final, tudo o que eu queria nesta Copa era que uma seleção ainda não campeã conquistasse o seu primeiro título, assim o mundo ficaria ainda mais distante de alcançar o nosso penta-campeonato. E não havia seleção mais merecedora que a da Espanha. Vibrei na final como se estivesse torcendo pelo Brasil.
    Sempre fui grato à Espanha por ter-nos dado Dom Quixote e o seu autor, Picasso, El Greco, Santiago de Compostela, inspiração para José Saramago, o castelhano – idioma divertidíssimo –, o El País, a América Latina, o flamengo, os ciganos, as mulheres da Andaluzia, entre muitas outras coisas. Por outro lado, o que a Holanda nos deu, além de Erasmo de Rotterdam? Apenas Maurício de Nassau e algumas pontes no Recife.
    Após a final deste 11 de julho, ficou evidente que o futebol há tempo deixou de está nos pés de craques para está nas cuidadosas armações técnicas iguais às do futebol europeu.

Estilo vlog

    Com toda essa moda de vlog, pensei em fazer vídeos no estilo dos que os vlogueiros fazem. Mas acho que não vai dar certo, sempre fui bom atrás das câmeras, nunca diante delas. Inventar de publicar tal tipo de vídeo no YouTube é um ousado atrevimento meu. Sou escritor, não sou aspirante a ator! Derramar um caldeirão de críticas satíricas sobre Justin Bieber, Crepúsculo e emos, diante duma câmera, não é e nem será minha especialidade.
    Só que o evindentíssimo fato de eu não ser bom em determinado assunto não me impede de fazer de pelo menos uma experiência no setor. Adoro experiências, tentativas, colher resultados, mesmo quando o fracasso for tudo a se esperar. Não consigo dormir enquanto não achar respostas para coisas que durante o dia deixaram minha curiosidade inquieta. Já pensei em morrer só para ver se existe ou não vida após a morte – dê descarga nessa última frase!
    Chega por aqui! Filosofei demais! Vou dizer um palavrão para ninguém levar isto tão a sério, pois não é: cu. Pretendo somente justificar por que fiz um vídeo no estilo vlog.

O Twitter segundo PC Siqueira


    No vídeo intitulado Baratas, fim do mundo em 2012 e Twitter, o brilhante filósofo do YouTube diz com toda a retidão em que consiste o Twitter. Ponho aqui suas próprias palavras, com algumas alterações que não modificam o sentido, apenas servem para melhorar a coesão:
    “O twitter, pra quem não sabe, é um site onde você fala das coisas que está fazendo pra outras pessoas que não ligam para o que você está falando e só ligam para o que elas [mesmas] estão falando. Você pode seguir as outras pessoas pra receber a informação que elas passam para você a fim de você fingir que liga para elas, enquanto elas também podem seguir você ou você falar alguma coisa que não tem o menor sentido e ainda ter uma boa desculpa dizendo que uma outra pessoa está lendo [os seus tweets]. É aquela coisa de você falar sozinho ou postar no seu blog – que ninguém ler – mas que, no Twitter, [essas coisas inúteis] fazem todo o sentido. Todo mundo fala coisas para si mesmo e reclama dos outros quando eles estão falando deles próprios. Então, [o Twitter] serve basicamente para você ficar falando das coisas que você quer, das coisas que você acha importantes ou não importantes para você e ao mesmo tempo poder criticar todas as outras pessoas que estão fazendo o mesmo que você.”

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Parodiando o Gênese


    Hoje eu estava conversando com minha mãe sobre a correria de toda a população quando pensamos que havia estourado a barragem do Prata, e nessa conversa percebemos uma peculiar anedota que pode ser feita com relação à igreja Arca de Noé (foto), particularmente no contexto do corre-corre mencionado.
    Naquele dia, veio a notícia de que um dilúvio inundaria (outra vez) a cidade inteira, e todos deviam procurar abrigo, pois o tempo era curto. Pegamos nossos animais e corremos de casa, rumo à primeira colina avistada. Mas esse não foi o melhor itinerário se quiséssemos seguir os ensinamentos bíblicos – deveríamos, sim, ter corrido para a arca de Noé, afinal, ela se encontra atracada bem perto da nossa residência, e como íamos levando animais...
    Meu pai é que se encaminhou à arca logo depois de saber do dilúvio vindouro: ao lado da embarcação (ou igreja!) é que bombeiros montaram acampamento, por isso ele foi lá saber se a notícia era verídica. Voltou correndo ainda mais quando os bombeiros disseram que podia ser.
    Então, fica a lição para os moradores do bairro Santa Rosa: no próximo dilúvio, abriguem-se na arca – do próprio Noé.

Na hora das refeições

    Sou um perigo numa mesa de refeições. Se vou colocar feijão no prato, metade cai fora. O mesmo acontece com o arroz. Se é macarrão, espalho-o pela mesa e o que consegue cair no prato fica pendurado para fora. A carne é preciso segurá-la bem, com o garfo, quando a estou cortando, senão ela vai parar longe. Outro dia quase fraturei o crânio de um amigo quando arremessei, sem querer, um pedaço de carne desgovernado sobre sua testa. Por falar em garfo, sempre os entorto quando os uso. Se você gosta dos seus garfos, não os empreste a mim. Caixas de leite, não sei dominar. Em minhas mãos, parecem mangueira de bombeiro, esguichando líquido branco. Diferentemente do feijão, o leite nunca acerto no alvo. Caso o conteúdo da caixa consiga cair dentro do copo, sai com tanta força que logo se espalha por todos os lados, sujando a mesa e tudo ao redor. Faz pouco tempo que, numa elegante pizzaria, derramei um copão de milk shake na calça – até as meias se lambuzaram. Se ponho manteiga numa bolacha, logo ela cai no chão com a parte da manteiga virada para baixo – já estou acostumado a apanhar do chão as comidas que derrubo e imediatamente engoli-las. Se encho a boca de espaguete, há os que ficam pendurados para fora, difíceis de sugar, e logo caem sobre minha camisa basta o mínimo movimento com a cabeça. Bolo, em minhas mãos, vira pó. Se como cachorro quente, oitenta por cento dele se desmancha no chão. Sempre me engasgo com sucos de frutas ácidas, como limão.
    Depois de tudo isto, não preciso nem dizer que não sei cozinhar. Tentei fritar um ovo uma vez e quase incendiei a casa.
    Eu me esforço por dominar a comida, mas ela me odeia. Sou uma espécie de repulsor de alimentos, como se estes fossem a polaridade positiva de um ímã se encontrando com a polaridade positiva do ímã que sou.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A verdade na boca do PC Siqueira

    PC Siqueira chega a ser genial no que fala em alguns dos seus vídeos. Neste abaixo (dividido em duas partes), ele faz uma reflexão realisticamente brilhante, que também representa a totalidade da minha opinião sobre o tema. Poucos conseguem dominar essa forma de nos trazer a pura face da realidade, falando com uma sinceridade que aposto ninguém ainda ter visto tanta antes de assistir a esse vídeo. Parece até que o PC está a se confessar diante dum padre – muito embora não haja confissão tão reta e sincera como esta que você verá.

domingo, 4 de julho de 2010

O que aconteceu


02 de julho de 2010

    Não vou começar com introdução, a data de hoje vale muito bem como uma. Todos sabem o que neste dia aconteceu e a imprensa já dissecou até a alma do assunto, não bastando o corpo. Aqui vai uma breve opinião minha sobre o tema.
    Desconheço se a Seleção Brasileira tem uma equipe de psicólogos, assim como tem uma de preparadores físicos. Se não tiver, precisa ter. Se tiver, deve ser mais valorizada. Tínhamos tudo para ganhar o jogo e a Copa, fomos os absolutos dominadores no primeiro tempo e um pequeno tropeço emocional do time bastou para alguns dos melhores jogadores do mundo perderem de vez todas as suas qualidades.
    Confiar apenas na experiência profissional dos titulares não é o bastante: especialmente numa partida conhecida por “mata-mata”, eles precisam saber driblar as pressões; saber de antemão, por meio da ciência aplicada, como se comportar caso as coisas mais imprevisíveis venham a acontecer. A poderosa indústria que é o futebol tem capacidade para desenvolver profundas técnicas de treinamento mental que permitam o jogador usufruir ao máximo o que é capaz de fazer. As chamadas “mal fases” de grandes craques são consequência dessa carência de treinamento mental. Será que esse medo de inovação científica caminha junto com o medo que a Fifa tem de aplicar tecnologia no auxílio à arbitragem?

***

PS.: Repudio a conhecida hipocrisia que muitos brasileiros ostentam quando a Seleção perde, dizendo eles que acharam bom o resultado, que estavam torcendo para a outra seleção ou outro tipo de conversa fiada.

Aluga-se

    Aluga-se uma casa no renomado bairro São José, Palmares-PE. Doze quartos, sete salas de estar, quatro salas de jogos, três salas de janta, duas cozinhas, quinze banheiros, duas copas, dois corredores onde se pode brincar de corrida de motos, oito varandas com portões banhados em prata, que dão para um grande alpendre. Nove garagens, quatro das quais são subterrâneas e duas com capacidade para abrigar grandes caminhões. Todas têm portão automático. A casa fica dentro de amplo terreno, amurado com cerca eletrificada, cheio de árvores e três enormes jardins, espelhados no modelo dos jardins do Vaticano. Conta com três piscinas olímpicas, quiosques e duas quadras. O aluguel custa R$ 10,00 por semestre. Infelizmente, não dá para fazer preço menor.
    Aluga-se uma casa no bairro Nova Palmares, próximo à caixa d’água. Três metros quadrados, uma porta, apenas duas goteiras e piso de terra batida pelo melhor batedor. As quatro paredes de taipa provaram resistir a chuviscos. O local conta com a melhor vista para a cidade e para os canaviais. O aluguel custa somente R$ 2.500,00 a diária. Aproveite enquanto estamos em promoção.

Versos

02 de julho de 2010

    Ontem fui ao centro da cidade reclamar da mudez dos telefones no Santa Rosa. Mesmo no dia da simulação do Apocalipse e na semana subsequente à catástrofe, as linhas telefônicas do bairro não apresentaram o menor problema. Mas, desde segunda feira, aparelhos fixos de várias residências estão funcionando exatamente como se estivessem desconectados da tomada.
    Só que, quando cheguei ao centro e me deparei com toda aquela desolação, lama em todas as ruas, fios e postes ainda no chão, lojas parecendo cavernas úmidas e escuras, montes de lixo por todos os cantos, tratores tentando limpar as ruas, gente – provavelmente faminta – catando o que sobrou dos alimentos de supermercados, buracos, engarrafamentos, caos, quando com tudo isso me deparei, o sentimento de piedade foi o único que restou em mim. Tirei do bolso os cinco centavos que levava e o depositei na palma da mão aberta da cidade.
    Pelo que ouvimos aqui em carros-de-som e rádios, a terra dos poeteiros escolheu os seguintes versos para retratar sua atual situação:

Senhor, consolai os que choram
Curai os que sofrem
Nas ruas, nos guetos
Nos becos escuros
Na chuva, no frio, sem teto e sem pão.

    Além desses acima, esses abaixo também retratam bem o que vemos:

Uma esmola pelo amor de Deus
Uma esmola
Meu! Por caridade
Uma esmola
Pr'o ceguinho, pr'o menino
Em toda esquina
Tem gente só pedindo...
Uma esmola pr'o desempregado
Uma esmolinha
Pr'o preto pobre doente
Uma esmola
Pr'o que resta do Brasil
Pr'o mendigo, pr'o indigente...

Estática situação

28 de junho de 2010 *

    O que fazer numa cidade arruinada? Não existe lojas onde possamos comprar seja lá o que for diferente de comida. Não há o mínimo lugar para recreação. Onde quer que vamos, pelo caminho só se encontra lama. As escolas não mais funcionam. O comércio parou. É quase como viver num sítio, distante do mundo urbanizado. Minha sede de leitura era abastecida pela biblioteca municipal. Agora, nem sei se os seus livros sobreviveram. Estou apenas relendo algumas coisas que tenho em casa, como a Antologia Poética de Drummond e alguns capítulos de Anjos e Demônios, de Dan Brown. Não posso fazer pedido de livros novos porque o Correio desceu na cheia. A saída é a internet, quando funciona. Já li quase toda a Wikipédia, rodei o mundo inteiro no Google Earth, vi tudo o que é de clip de Paramore e Evanescence no YouTube, esquentei meu inglês, meu espanhol, até arranhei um pouco de italiano. Mas não me permito ficar muito tempo na frente do computador. Para se ler e se escrever é que o papel foi inventado.
    No mais, tudo ao redor, fora de casa, está sem vida, num estado de morte caótica. O céu fechado, o que é natural em pleno inverno.
    Hoje o rio resolveu invadir a cidade (ou ruínas) de novo, porém, sem intenções maléficas, quis apenas lembrar que as construções encontram-se bem dentro dos seus domínios e brincar um pouco, sujando de lama os locais que já foram limpos. É um rio de pitoresca personalidade; admiro-o muito!
    Depois do que os palmarenses vivenciaram semana passada, podemos dizer que a enchente de hoje foi banal. Nem chegou a ser muito comentada entre a população, mesmo tendo sido quase igual à então “devastadora” de 2000. O fato de não mais haver o que evacuar ou ser destruído contribuiu para a pouca atenção dada a esta segunda invasão das águas. No entanto, uma cheia significativa dias após a que acabou com tudo é um evento raro na bacia do Una e sem precedentes na cidade.
    Não vou dizer que não é bonito o espetáculo do rio tomando conta das ruas. Acompanhei a invasão de hoje – assim como a da semana passada – e me encantei com a força da natureza.
    O vídeo abaixo foi feito hoje pela manhã e mostra importantes ruas da cidade.



* Data em que este texto foi escrito. Sua publicação se adiou por conta do não funcionamento da internet, problema causado pelo caos na cidade desestruturada.