sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Conversa no restaurante

ADVERTÊNCIA: Nosso mundo é muito sério. O povo é culto, exigente no que lê e erudito nas ações. A mídia formadora de opinião é muito séria, as revistas principalmente. Vivemos cercados de homens honrados, austeros, sérios. Sobretudo nas manifestações artísticas tem-se uma rigidez técnica de causar inveja ao Barroco. É em homenagem a essa seriedade que o texto seguinte foi escrito.


À pomposa mesa do que muitos consideram o mais requintado restaurante de Brasília, entre as outras mesas dispostas sobre macio carpete escarlate, encontra-se um senhor sentado em companhia de outro sujeito mais novo. Trata-se dum deputado e o seu secretário, respectivamente. O silêncio da refeição é quebrado por curioso barulho partido de baixo da cadeira do legislador. 


– Vossa Excelência peidou? – pergunta o secretário, meio espantado.

– Foi nada mais que um peido relâmpago – responde o doutor.

– Isso me faz recordar um opúsculo que li outro dia, sobre a grande variedade de peidos existente.

– Quem é o autor?

– Agora não lembro. Só sei que a obra entitulava-se...

– Peidologia.

– Exatamente! O senhor também a leu?

– Devorei-a. Precisamos enriquecer nossa literatura com obras-primas do tipo.

– É pena estarmos carentes de escritores e leitores que valorizem tão precioso assunto.

– Lamento esse fato. Porém, dada a existência de sexólogos, o que impede o surgimento de peidólogos ou até merdólogos?

– Realmente Vossa Excelência sabe o que diz. Aprecio tamanha sabedoria!

Continuam comendo. A sinfonia dos talheres convida o apetite a atuar. Em geral as cores fortes dos restaurantes parecem agudar o paladar, tornando os temperos mais visíveis à língua. Concluída a refeição, o legislador arrota pelo nariz e comenta:

– Já pensou se tivesse saído por baixo outra vez!

Rindo mais com os ombros do que com a boca, o secretário diz:

– O senhor chamou aquele peido de relâmpago, e o classificou bem; não obstante, Peidologia aborda muitos outros tipos de flatulência.

– Como Rasga-bucha, por exemplo; o som é semelhante ao de uma cortina sendo rasgada.

– Há também o Chuveirinho, comum nas caganeiras. Soltamo-lo acompanhado dum esguicho de bosta líquida, que em seguida é expelida em jato. Em outras palavras: se gagássemos com a bunda virada para cima, teríamos um repuxo de merda!

– Em contrapartida, há os silenciosos, como o Apaga-vela. Só é expelido o gás. Acho que, se alguém tentasse, conseguiria mesmo apagar uma vela assim.

– Gostei bastante do Passo-a-passo. É o tipo de peido dos caminhantes e talvez o mais compassado de todos; a cada passo tem-se um pum: pum, pum, pum, pum...

– Já que você falou em termos musicais, lembrei-me do Ascendente e do Descendente. O primeiro começa agudo e termina grave; no segundo ocorre o contrário.

– É demais! Todavia, nenhum se compara ao Apito-gaiato. Este sai igualzinho a um silvo – o nome bem o define. Geralmente escapa quando estamos acocorados.

– Penso que nenhum é tão barulhento feito o Girândola. Não é necessário nem descrevê-lo...

– Engana-se, meu caro. Aposto que o Fura-calça é o mais barulhento de todos. Um amigo meu, após soltar um desses, foi parar no hospital.

– Em verdade, não devemos brincar com essas coisas tão sérias! Mas me revolto por os avaros terem sido homenageados com um tipo de peido: o chamado Unha-de-fome. Este sai tão tacanho que, ao ouvi-lo, dá-nos vontade de dizer ao soltador: “Peide com fé, rapaz!”

– Agradei-me também daquele chamado 3 Segundos. Seu nome deve-se exclusivamente à sua duração, que, para um peido, não é nada pequena.

– O grande autor do opúsculo fala ainda do Intrometido: sai quando menos o desejamos; pode até ser nosso traidor.

Neste momento, o garçom chega para dar a conta. Os dois clientes efetuam o pagamento e agradecem. Desconfiado, o parlamentar diz ao companheiro:

– Vamos embora porque eu acabei de detonar uma Bomba-de-gás!

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