sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A falsificação da liturgia

Publicado por André Hilton originalmente no Blog Discovery, em 28 de maio de 2009.

A eucaristia é “fonte e ápice de toda a vida cristã” (Lumen Gentium, 11). “Os demais sacramentos, assim como todos os mistérios eclesiásticos e tarefas apostólicas, se ligam à sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Pois a santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja, a saber, o próprio Cristo, nossa Páscoa” (Presbiterorum Ordinis, 5). Deve-se, de fato, se respeitar da forma mais elevada possível a celebração eucarística, ou seja, a santa missa. Para isso, a Mãe Igreja, desde os seus primórdios, estabeleceu o que chamamos de livros litúrgicos: eles contêm todas as regras, prescrições e instruções, que devem ser estritamente respeitadas no momento da celebração. Como exemplo dessas obras, podemos citar o Missal Romano, as instruções Liturgicae InstaurationesVarietates Legitimae, a Constituição Sacrossanctum Concilium, o próprio Código de Direito Canônico, entre dezenas de outros documentos. Sob a responsabilidade da Sagrada Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, a Igreja, juntamente com os bispos diocesanos, regulamenta a liturgia. Logo, compete à Sé apostólica ordenar a sagrada liturgia da Igreja universal, publicar os livros litúrgicos e autorizar suas versões nas línguas correntes, assim como vigiar para que os ordenamentos litúrgicos , especialmente aqueles através dos quais é regulamentada a celebração do Santíssimo Sacrifício da Missa, sejam observados fielmente em todos os lugares do mundo.

Mas nem sempre as prescrições estabelecidas pela Igreja são cumpridas na Igreja. Em muitas localidades, as regras da Instrução Geral do Missal Romano (IGMR) e de outros documentos são tão desobedecidas que João Paulo II, em 2004, ordenou que a Sagrada Congregação supracitada preparasse, de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé, a Instrução Redemptionis Sacramentum (RS), sobre alguns aspectos que se deve observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia. Confrontando as normas contidas nesta Instrução e no Missal com a forma de se celebrar missa em grande parte do Brasil e da América Latina, vemos a falta de preocupação por parte dos padres em seguir as prescrições estabelecidas nos livros litúrgicos. Há muitas desobediências às regras. Isso nos faz pensar que os próprios presbíteros nunca leram os documentos da Igreja, ou leram uma única vez, em aulas no seminário.

A seguir, exponho as principais violações feitas por padres brasileiros durante a celebração de suas missas. Faço isso porque “todos os fiéis, por sua vez, gozam do direito de ter uma liturgia verdadeira e, de modo particular, uma celebração da santa missa que seja assim como a Igreja quis e estabeleceu, como prescrito nos livros litúrgicos e em outras leis e normas" (cf. RS, n. 12).

“A liturgia da palavra deve ser celebrada de modo a favorecer a meditação. Deve, por isso, evitar-se completamente qualquer forma de pressa que impeça o recolhimento” (cf. IGMR, n. 56). Mas há muitos maus leitores, que gaguejam, leem rápido demais ou lento demais, sendo, não raro, impossível de se entender as palavras sem acompanhá-las em jornal ou livrete contendo o texto das leituras do dia. “Para desempenhar bem a sua função, é necessário que o salmista seja competente na arte de salmodiar e dotado de pronúncia correta e dicção perfeita” (cf. IGMR, n. 102), o que dificilmente acontece em nossas igrejas. Salmos e outros cantos geralmente não são ensaiados pelos cantores, ficando tudo na base do improviso. Alguns salmistas cantam em um tom e o instrumento acompanha em outro. Santo Agostinho diz que quem canta reza duas vezes. Logo, quem canta mal, reza mal. Se não se ensaiou antes, não se cante durante a missa! A celebração tem de ser bem preparada (cf. RS, n. 58). Coloque-se pessoas com boa voz para cantar e ler.

“Na missa diz-se sempre uma só Coleta” (cf. IGMR, n.54), mas várias vezes vemos o presidente dizer duas: uma da missa do dia e, em seguida, outra própria. É uma desobediência à regra, também, o celebrante, usando estola verde, ler uma Coleta, Sobre as Oferendas e Depois da Comunhão próprias duma celebração onde se faz memória da Virgem Maria, sendo a missa uma celebração ferial do tempo comum.

O sacerdote “pode introduzir os fiéis, com brevíssimas palavras: na missa do dia, após a saudação inicial e antes do rito penitencial; na liturgia da palavra, antes das leituras; na Oração eucarística, antes do Prefácio, mas nunca dentro da própria Oração” (cf. IGMR, n. 31). Contudo, há padres que enchem a Oração eucarística de “parênteses”, até mesmo durante a narração da instituição. Mandam que o povo, com ele, diga palavras arbitrárias. Tais abusos sempre se repetem nas celebrações solenes, pois, não conformado com o disposto nos livros normativos para os dias de solenidades, o padre só se aquieta quando enche a missa de música, apresentações de danças, colorido, blá, blá, blá, enfim, dezenas de “acrescentos ornamentais” que, devido ao exagero, encobrem a vivência do Mistério. Diz a Igreja aos presbíteros: “Não esvaziem o significado profundo do próprio mistério, deformando a celebração litúrgica com mudanças, reduções ou acréscimos arbitrários” (cf. RS, n. 31).

“Dê-se um fim ao reprovável uso mediante o qual os sacerdotes, os diáconos e também os fiéis mudam e alteram por conta própria, aqui e ali, os textos da sagrada liturgia por eles pronunciados. De fato, assim fazendo, tornam instável a celebração da sagrada liturgia e com frequência acabam alterando o seu sentido autêntico” (cf. RS, n.59). Jamais podemos pronunciar, durante a missa, as palavras que competem ao presidente, como, por exemplo, a oração da paz, a doxologia.

“Enquanto o sacerdote celebrante recita a oração eucarística, não se sobreponham outras orações ou cantos, e o órgão ou outros instrumentos musicais fiquem em silêncio, exceto nas aclamações do povo devidamente aprovadas” (cf. RS, n. 53). Porém, é comum presenciarmos fundo musical no momento da consagração.

“O Glória é um antiquíssimo e venerável hino com que a Igreja, congregada no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus e ao Cordeiro. Não é permitido substituir o texto deste hino por outro” (cf. IGMR, n. 53). Entretanto, é costume se recitar “glórias” pobres em nossas missas, compostos por certos cantores, em ritmo de samba, pop, sertanejo etc. Em dias festivos, também, muitas vezes o presidente resolve cantar o credo com outra letra, que exclui a maioria dos pontos dos 12 dogmas.

João Paulo II disse que não é só com a letra que devemos nos preocupar em uma música sacra, mas também com a melodia. “É direito da comunidade dos fiéis que haja regularmente, sobretudo na celebração dominical, uma adequada e idônea música sacra” (cf. RS, n. 57). Esta não deve ser entendida como as obras clássicas e Mozart, Bach, Handel, por exemplo, mas sim como música apropriada para a liturgia. Em nossas missas, estamos carentes de composições melódicas adequadas à liturgia. Hoje existem muitos cantores de música católica; gravam CD’s nos mais diversos ritmos populares... De alguma forma, suas obras vão parar dentro das igrejas, sem que haja preocupação com a qualidade das músicas para o contexto celebrativo. O que vale é o sucesso presente. Aos poucos, as pessoas vão se acostumando com uma “missa pop” e a celebração vai perdendo a sua seriedade. Devemos ter em mente que a liturgia não é um teatro, nem um show e muito menos uma apresentação. A liturgia é a vivência de um mistério.

Quando se fala em forró, pop, rock' n' roll, todos nos lembramos de alguma banda, pois bem conhecemos os ritmos de cada gênero musical e admiramos cantores e cantoras – principalmente os leigos. E o que dá o ritmo forte à música é a bateria. É impossível não trazer para dentro de si as influências de músicas mundanas quando há a presença de bateria numa missa. Esse instrumento não corresponde às exigências da música sacra; não se adapta ao meio; só serve para fazer com que os fiéis não se concentrem no mistério vivenciado, assistindo à celebração como quem assiste a um show. A mesma inadaptação vale para guitarra com pedal: o som é lindo, mas completamente inadequado para missa. Existem algumas versões musicais para a Ladainha de Todos os Santos com um ritmo balançado como o axé. Será que é dessa forma que devemos nos recolher interiormente?

“Também se deve guardar, nos momentos próprios, o silêncio sagrado, como parte da celebração” (cf. IGMR, n.45). No entanto, isso dificilmente acontece. Acho que só há silêncio quando o padre cochila! É um desafio conversar com Deus depois da comunhão dentro de grande parte das igrejas e principalmente em missas campais. Eis o que devemos fazer no momento da comunhão: a ação de graças. É o tempo (os 10 minutos de silêncio total) mais precioso do cristão. Muita gente comunga e não muda de vida porque comunga mal. Ninguém é digno de comungar; mas Jesus quer que nós comunguemos e, por isso, é necessário uma disposição nossa. Então, comunguemos com devoção, por amor. Contudo, há momentos em que a concentração nesse instante é quase impossível. E o pior é o fato de esses momentos serem rotina nas igrejas brasileiras. Às vezes, ajoelhado, com os olhos fechados, durante minha ação de graças, grito em meu interior: “Ministério de música, após a comunhão de todas as pessoas PARE DE CANTAR PELO AMOR DE DEUS, pois eu preciso contar a Jesus os meus problemas!” Alguns santos permaneciam por mais de 2 horas em ação de graças. Vejo, pois, que não se fazem mais santos como antigamente!

“Antes da própria celebração é louvável observar o silêncio na igreja, na sacristia e nos lugares que lhes ficam mais próximos, para que todos se preparem para celebrar devota e dignamente os ritos sagrados” (cf. IGMR, n. 45). Porém, os bastidores de muitas celebrações lembram os bastidores de um show dos Rolling Stones. Dentro da igreja, as pessoas conversam como se estivessem em uma feira e tratam dos assuntos mais variados.

“Não é permitido omitir ou substituir por iniciativa própria as leituras bíblicas (...) por outros textos não-bíblicos” (cf. RS, n.62). Mas bem sabemos que rola pelo Brasil afora textos versificados e com rima, retratando passagens do Evangelho. Alguns vão parar no ambão, não penetrando a mente dos fiéis no grande mistério.

“A leitura do Evangelho, que constitui o ápice da liturgia da palavra, é reservada, segundo a tradição da Igreja, na celebração da sagrada liturgia, ao ministro ordenado" (cf. RS, n. 63). Sendo assim, é equivocado o costume no qual as palavras dos personagens do Evangelho do dia são pronunciadas por leigos ou crianças, enquanto o padre, às vezes sim, outras não, pronuncia apenas as falas de Cristo.

Por que é só o bispo, o sacerdote ou o diácono que leem o Evangelho? Porque, naquele momento, eles estão representando Jesus (in persona Christi); ou melhor: naquele momento, é o próprio Cristo que, do ambão, pronuncia as palavras, e apenas os ministros ordenados têm esse “poder”.

Exceto em celebrações especiais, “normalmente a ordem das intenções [na Oração Universal] é a seguinte: a) pelas necessidades da Igreja; b) pelas autoridades civis e pela salvação do mundo; c) por aqueles que sofrem dificuldades; d) pela comunidade local” (cf. IGMR, n.70). Mas essa ordem nunca é seguida e, na maior parte das missas, essas intenções não são observadas no texto da prece.

“É de máxima importância que a celebração da missa ou Ceia do Senhor de tal modo se ordene que ministros sagrados e fiéis, participando nela cada qual segundo a sua condição, dela colham os mais abundantes frutos” (cf. IGMR, n.17). Será que colhemos abundantes frutos ao sairmos duma igreja, após ouvirmos as palavras “ide em paz e que o Senhor vos acompanhe.”?

“A recitação da oração eucarística, por sua própria natureza, é o ápice de toda a celebração” (cf. RS, n. 52). Contudo, alguns sacerdotes a recitam tão rápido que lembram um narrador de futebol em rádio, no momento em que a bola está na grande área. A importância das palavras fica sem ser demonstrada. Somente na consagração a velocidade da leitura é aliviada; o prefácio, os mementos, a oração da paz são lidos como se fosse para terminar logo a missa. Às vezes isso é feito porque a homilia durou mais de meia hora; mas a homilia não é o ápice da celebração.

“A missa celebra-se em língua latina ou em outra língua, desde que se recorrem a textos litúrgicos aprovados segundo a norma do direito” (cf. RS, n.112). Caro leitor, você já ouviu falar alguma vez a respeito duma língua chamada latim? Ela existe!...

“Cabe ao sacerdote celebrante, eventualmente auxiliado por outros sacerdotes ou pelos diáconos, distribuir a comunhão” (cf. RS, n. 88). “É reprovável a praxe dos sacerdotes que, embora presentes à celebração, não distribuem a comunhão e encarregam os leigos para essa função” (cf. RS, n. 157). Mas, em praticamente todo o território brasileiro, vemos o padre permanecer sentado enquanto ministros [que deveriam ser extraordinários] distribuem as hóstias. O Código de Direito Canônico diz que “somente o sacerdote validamente ordenado é o ministro que, fazendo as vezes de Cristo, é capaz de realizar o sacramento da Eucaristia” (cf. cân. 900, §1). “Por isso, o nome de ‘ministro da Eucaristia’ cabe propriamente ao sacerdote” (cf. RS, n. 154). Entretanto, há tempo que virou hábito chamar de “ministro da Eucaristia” meros leigos que, sempre contrariando o disposto nos Documentos, distribuem a santa comunhão em missas com a presença de poucos fiéis. A pessoa, só porque recebeu algumas explicações superficiais e o padre autorizou, diz: “Eu sou ministro da Eucaristia!” É costume, durante a celebração, eles se sentarem ao lado da sede do sacerdote, na cadeira do diácono, talvez apenas porque usam uma curta bata branca, que é da mesma cor da alva.

Ministro da Eucaristia é o padre. É ele que diz, in persona Christi: “Isto é o meu Corpo... Fazei isto em memória de mim...” Por isso, é o presbítero quem deve distribuir a comunhão.

Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística é o leigo idôneo, porque este não consagra o Pão e o Vinho e, sim, apenas ajuda a distribuí-los caso o padre sozinho não dê conta; se realmente for necessário; se não tiver outro jeito; se, na missa, estiver presente uma quantidade de fiéis anormalmente grande, uma verdadeira multidão (cf. RS, n. 158). Não pode virar rotina a distribuição do Corpo de Cristo feita por meros leigos. A abreviação desse termo (“ministro da Eucaristia”) acaba originando uma expressão que se aplica de maneira errônea. “Esse ofício deve ser entendido no sentido estrito conforme a sua denominação de ministro extraordinário da santa comunhão, e não como ‘ministro especial da santa comunhão’ ou ‘ministro extraordinário da Eucaristia’ ou ‘ministro especial da Eucaristia’, definições que amplificam indevida e impropriamente seu alcance” (cf. RS, n. 156).

“Se, em geral, ministros sagrados suficientes estão presentes para a distribuição da santa comunhão, os ministros extraordinários da santa comunhão não podem ser delegados para essa tarefa. Em tais circunstâncias, aqueles que foram delegados para esse ministério, não o exerçam” (cf. RS, n. 157). Portanto, ministros extraordinários da comunhão eucarística, por favor, façam isso: se o padre tiver condições de distribuir sozinho a comunhão por conta do baixo número de fiéis presentes, digam-lhe: “Eu não vou ajudar a distribuir as hóstias!” O sacerdote, a menos que seja muito velho e/ou esteja cansadíssimo, não pode ficar sentado enquanto a comunhão é distribuída.

“Somente em caso de verdadeira necessidade se deverá recorrer à ajuda dos ministros extraordinários na celebração litúrgica. De fato, isso não está previsto para assegurar uma participação mais plena dos leigos, mas é por sua natureza supletivo e provisório (cf. RS, n. 151). Não tem problema algum que a celebração demore um pouco mais porque o padre está sozinho a distribuir as hóstias.

“Não é permitido que os próprios fiéis tomem, por si mesmos, o pão consagrado nem o cálice sagrado, e menos ainda que o passem ente si, de mão em mão” (cf. IGMR, n. 160). Isso diz a rubrica, mas, como se ela não existisse, em alguns lugares do nosso país (onde será?) a vontade de uma única pessoa é maior que a do Vaticano, e o cálice é bebido pelos fiéis como se fosse um copo d’água. Desobedecer a mencionada norma do Missal Romano, segundo a Redemptionis Sacramentum, constitui um ato objetivamente grave (cf. RS, nn. 173 e 94). O bispo pode permanecer indiferente a isso, mas nada está oculto aos olhos de Deus (favor dar uma risada bem forte neste ponto).

"Mantenha-se o uso do rito romano de dar paz antes da santa comunhão, como estabelecido no rito da missa" (cf. RS, n. 71). Com efeito, para que mudar arbitrariamente o desenrolar da celebração? Isso não leva a nada! Na Igreja do Brasil, parece até que essa prescrição citada não existe, pois muitas vezes sequer a paz é dada.

"Convém que cada um dê a paz àqueles que lhe estão mais próximos, de modo sóbrio. O sacerdote pode dar a paz aos ministros, permanecendo, porém, sempre no presbitério" (cf. RS, n. 72). Mas, nas nossas missas, o momento da paz parece uma festa. Alguns abraçam os outros de modo tão forte que os levantam do chão. As pessoas se espalham tanto que o instante lembra a chegada duma procissão na igreja. O sacerdote, descendo do presbitério, às vezes anda por toda a nave, enquanto um pesado canto é entoado. De repente, surgido do nada, vem o Agnus Dei.

Na conclusão da missa, devem ser dadas "notícias breves, se forem necessárias" (cf. IGMR, n. 90. RS, n. 74). Entretanto, na maioria das celebrações vistas nas paróquias brasileiras, os avisos, às vezes, duram bem mais que a própria homilia, pois vêm com cantos e mais cantos e apresentações com danças... Tudo antes da Bênção Final.

Na procissão de entrada, antes do início da missa, "o leitor pode levar o Evangeliário um pouco elevado, não, porém, o Lecionário" (cf. IGMR, n. 120). Contudo, já cansamos de ver este último livro ser reverenciado como se fosse o Evangeliário. E também já estamos fartos de presenciar o único livro simbólico da liturgia sendo carregado por um leigo ou ministrante durante a celebração, enquanto o padre e o diácono caminham em direção ao altar com as mãos vazias.

"Os vasos sagrados, destinados a acolher o Corpo e o Sangue do Senhor, sejam rigorosamente moldados segundo a tradição e os livros litúrgicos" (cf. RS, n. 117); "devem ser fabricados de metal nobre. Se forem fabricados de metal oxidável, ou menos nobre que o ouro, normalmente devem ser dourados por dentro" (cf. IGMR, n. 328). Os cálices, as píxides, as patenas e as âmbolas das igrejas ou capelas da sua paróquia obedecem a essas determinações? Lembre-se de que quem está dentro deles é ninguém menos que o Rei do universo.Descumprir a mencionada citação da Redemptionis Sacramentum constitui um abuso objetivamente grave (cf. RS, n.173).

"Tanto na formação dos artistas como na escolha das obras de arte a admitir na igreja, deve procurar-se o valor artístico, que alimente a fé e a piedade e que, por outro lado, corresponda à verdade do seu significado e aos fins a que se destina" (cf. IGMR, n. 289). Isso diz a norma, porém, nossas igrejas estão repletas de imagens "baratas", fabricadas por métodos industriais, todas moldadas em fôrmas. Quando próximo a alguma dessas imagens chegamos, imediatamente percebemos a pobreza artística e notamos o processo industrial nos detalhes do ícone. Imagens desse tipo revelam, sim, uma falsificação da autêntica arte sacra. Clero e leigos esqueceram o valor e nobreza de peças esculpidas pelas mãos de um artista.

"Sobre a mesa do altar, apenas se podem colocar as coisas necessárias para a celebração da missa" (cf. IGMR, n. 306). Só que já estamos cansados de ver, durante celebrações, coroinhas, ministrantes e até o padre porem sobre a santa mesa objetos que poderiam ser colocados noutro lugar, como caixas de fósforo, papéis, livretes, canetas, presentes embrulhados, bolsas, sacolas, copos e o que o leitor imaginar.

"A ornamentação com flores deve ser sempre sóbria e, em vez de as pôr sobre a mesa do altar, disponham-se junto dele" (cf. IGMR, n. 305). Mas é normal, em muitas igrejas ou capelas, ser colocado um jarro com belas flores sobre a toalha branca da mesa do altar.

"No tempo da Quaresma não é permitido adornar o altar com flores" (cf. IGMR, n. 305). Em muitos lugares isso é completamente esquecido. Não raro vemos, nas semanas da Quaresma, o altar repleto de flores, assim como encontra-se no tempo comum ou no tempo pascal.

"A dignidade do ambão exige que só o ministro da palavra suba até ele" (cf. IGMR, n. 309). Então, é de se ver que o nosso povo não reconhece a dignidade da mesa da palavra nem a respeita, pois, antes do final da missa, é comum pessoas subirem ao ambão para dar avisos ou tagarelar algo.

"Atenda-se a que os fiéis não somente possam ver quer o sacerdote quer o diácono e os leitores, mas também consigam ouvi-los comodamente, recorrendo aos meios da técnica moderna" (cf. IGMR, n. 311). No interior d’algumas igrejas, por exemplo, o som dos alto falantes é fraco e reverbera muito. Às vezes fica complicado ouvir bem a homilia, porque, nesse momento, não estamos acompanhando as palavras pelo jornalzinho. Em outras igrejas é comum vermos microfones com defeito e nos assustarmos repentinamente com fortes apitos, fruto de microfonia. Em geral, pouquíssimas pessoas sabem mexer no sistema de som (e muito mal).

"Nas celebrações litúrgicas, cada qual, ministro ou fiel, ao desempenhar sua função, faça tudo e só aquilo que pela natureza da coisa ou pelas normas litúrgicas lhe compete" (cf. Cat. § 1144). Mas é normal ver-se leitores que, saindo do ambão, vão para o ministério de música ou vice-versa, entre muitas outras formas de desobediência às mencionadas palavras do Catecismo.

"Há de procurar-se de modo particular que os livros litúrgicos (...) sejam verdadeiramente dignos, de boa qualidade e belos" (cf. IGMR, n. 349). Mas é comum se ver em várias igrejas lecionários, Missais e Evangeliários velhos e rasgados; alguns até desatualizados. Nos dias feriais, em poucas igrejas do nosso país os fiéis assistem a uma missa com lecionário sobre o ambão – acho que os sábios leitores não o saberiam usar! Para fazer a primeira leitura e o salmo responsorial, o leitor usa a "Liturgia Diária" da Paulus, um livrinho miúdo, bem conhecido por todos nós.

"Antes de vestir a alva, põe-se o amicto, caso ela não cubra completamente as vestes comuns que circundam o pescoço" (cf. RS, n. 122). Faça de conta que este número da Instrução publicada em 2004 não existe!

Quando o presidente duma celebração comete imprudências, a liturgia está sendo falsificada, o que constitui um risco tremendo (cf. RS, n. 169). "Demasiado grande é o mistério da Eucaristia para que alguém possa permitir-se tratá-lo a seu livre-arbítrio, não respeitando seu caráter sagrado nem sua dimensão universal" (cf. RS, n.11). Todos esses abusos contribuem para que as pessoas vejam a celebração eucarística como um mero teatro e, a Igreja, como um clube.

As normas litúrgicas deixam certa liberdade, mas nunca, em hipótese alguma, devemos exagerar e cair na libertinagem. Hoje há um relativismo tremendo até mesmo na cabeça dos padres quando acham que é lícito desobedecer a prescrições dos documentos da Igreja.

Muitas coisas são obedecidas, como a escolha da missa, o calendário geral de leituras, as cores litúrgicas, a escolha da Oração Eucarística. Isso se deve ao fato de subsistir no povo brasileiro uma persistência primordial naquilo que é estético, concreto, físico, material, enquanto inexiste uma preocupação com o verdadeiro sentido do que há por trás dos gestos e aparência visível das coisas. Muitas rubricas são obedecidas, e outras, expostas nos mesmos livros, são completamente desobedecidas: isso prova que a não observância e violações das santas prescrições da Igreja éintencional.

Quando a liturgia é celebrada de forma equivocada, o povo se escandaliza, e devemos reconhecer que existe muita gente de fé fraca. Pessoas instruídas, por exemplo, jamais levarão a sério uma missa onde se vê muita "bagunça". Alguém culto, mesmo que não leia os documentos da Igreja, claramente percebe quando, nos ritos litúrgicos, alguma norma é desobedecia. E cada detalhe de todo o ato litúrgico é extremamente significativo.

Às vezes o sacerdote desconhece as exigências do Missal Romano. Mas todos nós, fiéis, temos odireito de participar de uma missa celebrada da maneira correta, como manda a Santa Mãe Igreja.

Parece que recebemos os documentos da Igreja, colocamos na gaveta, não lemos e não ensinamos nada sobre eles e fica por isso mesmo. Isso se chama falta de zelo para com as coisas de Deus.

Quando obedecemos aos documentos, mais que movidos por obrigação, obedecemos-lhos por alegria e agradecendo a Deus por Ele ter nos dado esses ensinamentos (e regras) para seguirmos. Alguns padres fazem como Luiz XIV: “L’ Êtat c’ est moi”. Os sacerdotes que são meio rebeldes perante as coisas da Igreja dizem, implicitamente, isso.

É na celebração eucarística que o sacerdócio cumpre seu principal ministério – nos diz a Igreja. Então, se o padre não segue estritamente as determinações do Missal, está sendo um mau sacerdote.

Amigo leitor e fiel das nossas missas, se você notar qualquer abuso que se repete na celebração eucarística, como equívocos no desenrolar da missa ou descumprições de regras do Missal Romano, todo o católico tem o direito de manifestar sua indignação ao padre ou principalmente ao bispo(cf. RS, n. 184). Não tenha medo ou receio de fazer isso. Contudo, manifeste com amor e por amor, de forma prudente e culta. O que você não puder fazer por amor, não faça de outro jeito. Lembre-se que o significado litúrgico dos gestos e ritos nas nossas missas está sendo comprometido por muitos padres, e o católico instruído precisa, por amor a Cristo e à Igreja, fazer alguma coisa para mudar a situação. Entristeço-me bastante quando presencio equívocos em missas, todos decorrentes da falta de respeito que muitos têm para com as normas do Missal. Conhecendo tais normas, é impossível não se entristecer perante violações involuntárias ou intencionais.

Peço, pelo amor de Deus, que o visitante deste blog leia a Redemptionis Sacramentum e confronte as afirmações desse documento com a vida litúrgica da sua comunidade. Repare, principalmente, se a santa missa está sendo celebrada da forma como a mencionada Instrução aponta. Temos que confrontar o que se faz nas nossas paróquias com os textos eclesiais vindos da Santa Sé, assim como temos que confrontar o Catecismo com as doutrinas e ideologias do mundo.

A única forma de acabar com tais abusos é formação bíblica e litúrgica para o povo (cf. RS, n. 170). Entretanto, nossa gente, acomodada, tem medo dos nomes difíceis, mal sabe ler um livro e é carente de informações. O que fazer? Paciência...

Que tudo o que está exposto neste artigo seja para a glória de Deus e sirva de alerta para o clero e leigos.

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